terça-feira, 13 de outubro de 2020

Crônica do Amor Platônico

Adriana levantou-se apressada. Dormira mais do que deveria depois que o celulsr despertou. Tomou um banho de gata, maquiou-se como o tempo permitiu e saiu sem tomar café. A segunda-feira emergia preguiçosa, depois de um feriado prolongado de quatro dias.
Aliviada, ela percebeu que não havia perdido o coletivo. O motivo da felicidade era um companheiro de viagem, Carlos. O jovem, de vinte e poucos anos, estava especialmente atraente naquele dia. Moreno, apresentava um belo bronzeado. Teria ido à praia no feriadão? Teria curtido dias intensos em algum sítio nos arredores de São Paulo? Teria partido para uma aventura interior adentro? Todas as possibilidades agradavam Adriana, que diante de Carlos, imóvel no ponto de ônibus, deu um sorriso pós-pandêmico. Um desperdício, a máscara ocultou a beleza do riso da jovem apaixonada. 
Sem trocar nenhuma palavra sequer com Carlos, Adriana o observou e o seguiu com os olhos até que ele descesse do coletivo e desaparecesse no meio de tantos trabalhadores mascarados.
Entre um café e outro, Adriana atendeu os clientes, almoçou, pensou, pagou contas e concluiu mais um dia de trabalho.
Sentada no ônibus, viu Carlos com seu metro e noventa entrar no coletivo. Dessa vez ele não se sentou, voltou para casa em pé. Ela pensou em pedir para segurar a mochila do jovem, mas a loirinha falante foi mais rápida. Enquanto Carlos falava com a garota, Adriana entrava em êxtase. A voz de seu amado era a mais sutil das músicas, um bálsamo para uma alma cansada.
Desceram no mesmo ponto, como de costume. Subiram a rua quase lado a lado. Adriana parou, Carlos prosseguiu. Ela acompanhou o rapaz com os olhos, até que ele sumiu algumas esquinas depois.
Adriana tomou um banho relaxante, jantou, viu um pouco de TV. Antes de dormir tentou ler um livro de José de Alencar, mas aquela imagem perturbadora não saía de sua mente. Sacou o celular, acessou as imagens e adormeceu enquanto observava uma foto que roubou de Carlos enquanto ele estava distraído dentro do coletivo. Ele não estava tão bronzeado, mas, intimamente, continuava lindo aos olhos da tímida garota. 
Em poucas horas estaria ela, mais uma vez, amando em silêncio, sem coragem de dirigir uma palavra que fosse àquele que, cinco anos antes, roubara seu coração e seus sonhos, tornando-se uma doce rotina impossível.