quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

FEVEREIRO, SEMPRE FEVEREIRO...
Quarta-feira de cinzas, 17 de fevereiro de 2010


Um belo jardim, repleto de lindas flores, não costuma ter muitos problemas, pois é bem cuidado e reflete essa atenção que recebe. Por outro lado, quando encontramos uma flor em meio a espinhos ou quando percebemos uma árvore frutífera em solo julgado infértil qual é a nossa primeira vontade? Colhê-las para que não fiquem num lugar a que não pertencem...
Na vida as coisas não parecem ser muito diferentes. Muitas vezes presenciamos a existência de pessoas boas, incríveis, em lugares em que, para nós, só haveria tortuosidade. Deus parece ter a mesma percepção e, com isso, leva para junto de si essas flores, essas árvores de frutos diferenciados.
A vida é repleta de momentos marcantes. Há pessoas que vivem 90, 100 anos e isso já é tão pouco se pensarmos no tempo da Terra... Imagine quando essa vida se perde aos 10, 15, 18 anos...
Muitos mistérios nos cercam nessa casa chamada Terra. Nenhum, no entanto, pode ser comparado ao mistério chamado morte. Um clichê necessário é o que diz que a única certeza na vida é de que morreremos. Não sabemos quando, nem como. Alguns até conseguem descobrir, mas a grande maioria não o sabe. Esse mistério é repleto de simbolismos, de significados, de suposições, mas nada é concreto.
Lembro-me de uma música da Legião Urbana: "é tão estranho, os bons morrem jovens..." Infelizmente, ela insiste em ser entoada de tempos em tempos.
O único mal que não tem solução é morte. Uma pena.
Se pudéssemos mudar algumas histórias e transformar seus finais, a vida se tornaria fácil. Nossa estadia na Terra é, no entanto, uma novela que nem sempre tem finais felizes. Há dor, há desespero e há morte. Não temos como fugir disso. Muitas vezes um fardo se coloca nas costas das pessoas e as acompanha até seu último dia na Terra.
A dor da perda é algo insuperável. São pequenos pedaços de felicidade que vão se esvaindo e lá, no final de nosso percurso, os cabelos brancos e as rugas serão os reflexos das inúmeras perdas que acumularemos. Cada ruga representará alguém que a morte nos tirou. Muito triste quando isso acontece, ainda mais quando essas pessoas se vão tão cedo, tão jovens. Escaparão das rugas, das perdas seguramente. Deixarão, entretanto, seus nomes tatuados na pele dos que ficam. As marcas do tempo... Essas são as tatuagens mais doloridas que existem e quanto mais vivemos, mais marcas acumulamos.
Vida e morte. Azar e sorte. Bênção e maldição. São opostos que caminham em estradas paralelas. Um desvio, por menor que seja, pode significar o fim.
Diego, tão jovem. Um garoto diferenciado. Todos os caminhos te levavam para algo não muito bom, mas você preferiu mudar seu rumo e ser um exemplo positivo. Isso ficará para sempre. Não nos esqueceremos daquele sorriso aberto que sempre víamos em seu rosto.
Deus cuide de ti. Descanse em paz!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

SÁBADO, 20 DE FEVEREIRO DE 1988. // SÁBADO, 20 DE FEVEREIRO DE 2010.

Era uma manhã quente e nublada em São Paulo. Na televisão, as campeãs do carnaval daquele ano Vai-Vai homenageando a Bahia e Vila Isabel com Quizomba, festa da raça, homenageando os negros, tinham seus desfiles reprisados pela Rede Globo. Coincidentemente, o mesmo sábado em 2010 também é a data da comemoração das campeãs do carnaval, dessa vez Rosas de Ouro e Unidos da Tijuca.
Naquele ano, alguns dias antes do fatídico 20/02, enquanto lavava meus cães sob um sol escaldante, vi a mãe da Cris passando pela rua e nos cumprimentamos, com o carinho habitual. Estranhamente, 22 anos depois lá estava eu, lavando os cães novamente quando nos vimos sob uma situação semelhante. Já sabendo que o dia 20/02 se aproximava, senti algo estranho e comentei com meu amigo Thompson.
Em 20/02/88 lamentava a morte de minha melhor amiga, a Cristiane. Hoje completam-se 22 anos e jamais pude esquecê-la. Hoje é também um dia de lamentar a morte do Diego, na última quarta-feira de cinzas. O mês de fevereiro definitivamente não é dos melhores. Em 19 de fevereiro de 1985, perdi minha avó, também no período de carnaval... O ano passado teve dias terríveis que se estenderam por março também. Março, que em 1992, no dia 20, marcou a morte de um amigo de escola, o Quirino.
Muitos fatos ruins, não? Voltemos então ao dia 20/02/1988...
O bom e ruim dos blogs é a chance de nos permitir voltar a momentos de nossa vida que preferíamos jamais ter vivido. Mas hoje, um sábado, assim como aconteceu em 1988, logo depois do carnaval não poderia passar despercebido.
Sentados na calçada, a Janaina, o Tiago, o Well e eu brincávamos com o "vira-monstro, vira-herói", quando um carro da funerária desceu a rua de casa. Nunca gostei desses carros e ainda hoje, quando vejo um, tenho vários calafrios. Segundos depois minha tia Diva desceu a rua de sua casa ao lado da nossa e disparou: "Será que é o corpo da Cris que vieram trazer?"
Como se um terremoto de dimensões inimagináveis tivesse feito meu chão tremer, perguntei: "O que? A Cris morrreu?" E minha tia percebeu, naquele momento, que havia falado demais.
Entrei em casa como um furação, gritando e chorando acusei minha mãe e minha irmã de me esconderem a verdade e inconsolável não sabia o que fazer, o que pensar.
A Cris era aquela amiga de todos os momentos, íamos à escola juntos, faltávamos juntos, fazíamos quase tudo juntos.
Um dia, numa festa na casa da Rita, dançávamos uma música do Balão Mágico (regravação de coração de papelão), quando ela sentiu muita tontura. Foi prá casa e dias depois ouvi uma vizinha conversar com minha mãe. Estava pronto prá ir para a escola e a vizinha disse: "Então, o médico disse que ela tem um tumor no cérebro, e vai morrer." Interrompi apavorado e levei uma bronca por ouvir conversa de adultos, mas o diagnóstico era fatal.
A Cris teve uma primeira internação, passou por uma cirurgia e ficou alguns dias em casa. Não tinha coragem de vê-la, até que um de nossos amigos me disse que ela perguntava de mim o tempo todo e cobrava minha presença. Tomei coragem, comprei umas maçãs e levei até a casa dela. Ao entrar, ela estava careca, com uma faixa na cabeça e me disse que estava com uma crise de enxaqueca. Eu sabia a verdade e contava piadas, que faziam com que ela risse muito, mas por dentro estava dilacerado. Naquele dia, não queria mais sair do lado dela, foi nossa despedida, nosso último dia juntos. Alguns meses antes, numa festa na casa dela, ela havia me mostrado uma música (Lean on me), que até hoje me lembra nossa amizade.
Dias e meses se passavam, e nós, um grupo de jovens amigos fazíamos campana na rua, em busca de notícias. Certo dia, uma falsa informação de que ela havia morrido nos chegou e fiquei durante várias horas, na frente da casa dela, tomando coragem de abordar sua mãe e perguntar se era verdade. Depois de muito ensaiar perguntei e ouvi a resposta de que ela estava bem, dentro de suas possibilidades. Um alívio e a esperança de que tudo daria certo me tomaram.
Infelizmente o dia 20/02/1988 chegou. O velório foi em sua casa e tive que me esforçar muito para ir até lá. Na chegada, seu irmão, o Dênis que tinha 2, 3 anos nos recebeu com a frase: "Minha irmã está na caminha nova dela", foi a senha prá que eu desabasse. Daí prá frente foi só desolação. Num vestido branco estava nossa amiga. Sua guerra contra o câncer tinha acabado, aos 13 anos ela nos deixou.
Fiquei tão abalado que fui mandado para o Jardim Brasil, à força, para uma festa na casa de minha tia Carmen. Enquanto todos se divertiam, um pedaço de mim era velado. Ainda hoje não entendo o porquê de me enviarem para longe, quando o que eu mais queria era me despedir de minha amiga. Voltei prá casa no domingo à tarde e ouvi relatos do enterro, da quantidade imensa de pessoas, dos colegas e professores do Álvares que estavam lá. As meninas andavam de bicicleta, os meninos jogavam bola e eu tentava entender a morte, tão cedo, de alguém tão jovem.
Durante alguns anos, nos dias 15/01 (aniversário dela) e 20/02, íamos ao Cemitério de Vila Alpina visitar seu túmulo. Por vezes vi a família da Cris lá e hoje, 22 anos depois ainda tenho vivas em minha memória as lembranças daquele período tão difícil. Curiosamente, próximo ao túmulo de meu pai, está enterrado um garoto, Fernando Edgard Castro Dalto, impossível não reparar. Um menino de 15 anos que morreu num dia de Natal e que tem, sempre, uma faixa colocada pelos amigos na época de seu aniversário de morte. Esses amigos devem entender bem o que sinto.
Um dia, numa aula na escola pública que frequentávamos eram distribuídos aqueles livros que cada ano ficam com uma criança quando o Carrilho achou uma foto. Quando começaria a rabiscá-la fazendo bigodes e chifrinhos, foi interrompido pela Elaine Sena aos prantos: "É da Cristiane!!!", foi a senha prá comoção na aula. Era uma foto de nossa amiga, no Playcenter, que havia sido esquecida no livro. Lembro-me de algumas de suas amigas, especialmente da Monique, que fim terá levado?
Sou fechado e isso não é segredo algum, passei vários anos de minha adolescência tomando banhos longos. Os garotos nessa idade descobrem a própria sexualidade e se divertem em banhos longos, mas eu chorava copiosamente por 30, 40 minutos, uma hora... Saía do banho como se nada tivesse acontecido e seguia meu caminho. Durante anos não quis fazer novos amigos, por medo de que também morressem, tornei-me gótico. Sombrio, sinistro, depressivo e culto, escrevia textos lindos sobre temas nem tão bonitos assim.
Muitos anos se passaram até que pudesse deixar prá trás essa dor. Hoje venho até aqui e compartilho com alguns de vocês essa perda irreparável em minha vida.
Cristiane das Dores Marchini, 1975/1988... Tantas saudades de ti, amiga querida. Os 22 anos passados não foram capazes de apagar a sua voz e a sua risada de minha mente. Que pena que você não está aqui. Havia tantos anos que não chorava por você. Havia tanto tempo que não chorava redigindo um texto.
Saudades eternas, amiga. Saudades eternas.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A CIDADE E O TEMPO
Marina levantou da cama assustada e olhou a hora no celular. Deveria estar em pé às 5h30, mas já eram 6h15 e o fretado passava na rua de sua casa às 6h30. Definitivamente não o conseguiria pegar. Decidiu ir de carro. Mesmo para ir de carro o tempo não era seu aliado.
Lavou-se no melhor estilo "banho de gato" e arrumou-se às pressas. Sorte que teria uma reunião importante e separara na noite anterior seu melhor terninho. O salto, impecável e brilhante, refletia suas ambições para aquela sexta-feira chuvosa.
O trânsito estava infernal e uma preocupação começou a tomá-la de assalto. Já eram 7h50 e ainda nem havia saído da Marginal... "Maldita Marginal", pensava irritada enquanto ouvia às notícias matinais no rádio de seu automóvel. Buzinas, buzinas, buzinas e um acidente. Um caminhão tombado na pista causava todo o tumulto. Passado o acidente o trânsito fluía bem.
Chegou apressada, deixou o carro com o manobrista e se deu um pequeno luxo. Faltavam cerca de 30 minutos para o início da reunião e, apesar de precisar imprimir alguns relatórios, passou no café para um lanche rápido.
Apressada cumprimentou a todos e pediu para Cleide, a garçonete, uma prioridade no atendimento. Cleide já a atendia nos últimos 5 anos e não hesitou em ajudar a cliente-amiga. Quando entregou-lhe o café Cleide percebeu algo errado. Um rasgo grande na parte de trás do "blazer" de Marina. A jovem executiva ficou apavorada. Como poderia ir a uma reunião tão importante com a roupa rasgada. Convencida pela garconete de que sua camisa era bastante conveniente para a reunião, deixou a peça rasgada de lado e subiu apressada ao escritório.
Pasta de dentes, escova e a última verificação na maquiagem. Uma roupa sóbria, calça preta e uma camisa cinza-clara compunham seu vestuário. Tudo corria bem, até que o tubo de pasta de dente tombou sobre sua roupa, derrubando sobre ela uma quantidade imensa de pasta. Definitivamente não era seu dia. Com um lenço perdido na bolsa tentou limpar a camisa, mas só aumentou a mancha. Desolada, pensou em desistir de tudo e voltar para casa. Mas persistiu.
Lembrou-se que ainda possuía em sua sala uma elegante echarpe que poderia encobrir a mancha da blusa. Não pensou duas vezes, afinal era uma grande chance de alavancar sua carreira. Felizmente a echarpe deu um ar bastante sofisticado ao seu visual e finalmente um belo sorriso pôde ser visto em seu rosto, reluzente pela primeira vez naquele dia.
CONTINUA...

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A TORRE

No alto, bem alto, mais alto lugar da Terra

Se esconde perdido de tudo, inclusive da guerra

Um menino, sozinho na torre se esquiva da fome

Um garoto se livra de tudo e esconde seu nome

Do alto, mais alto, bem alto a lua se vê

Esquece dos bens lá de baixo, pois crimes prevê

Prefere a dureza da noite que esconde seu norte

Pois sabe que a luz clara do dia mudará sua sorte

Bem alto, do alto, mais alto não quer ecoar

Fugindo da vida na Terra, queria voar

Saltar do topo da torre e da vida fugir

Entrar num casulo seguro e de lá não sair

Mas percebe que a vida na torre não é salutar

Abandona então a clausura e decide lutar

sábado, 6 de fevereiro de 2010

PROJEÇÕES NO ESPELHO: O CÔNCAVO E O CONVEXO

Muitas vezes reflexos reais e virtuais se formam à partir de um feixe de luz emitido sobre um espelho.
Na verdade nem sei se essa é mesmo uma parte correta dessa teoria bastante complexa de uma parte da óptica. Talvez venha daí aquela famosa expressão "ilusão de ótica".
Com a vida as coisas não são tão diferentes assim. Complexo esse início de texto, não?
Projetamos sonhos em almas e corações distintos durante toda a nossa vida e esperamos até ver o que devolvem esses espelhos côncavos e convexos.
Muitas vezes depositamos expectativas que vão além das capacidades humanas. Muitas vezes depositamos crenças de que as pessoas podem nos devolver a luz que mandamos para elas através de ondas de diversas gamas... Um desequilíbrio fatal na corda-bamba.
É triste receber invertido aquilo que se dá de melhor. Mas a física pode explicar. E se a física não explicar o fará a biologia, ou a química, ou a sociologia, ou a antropologia...
Prótons, nêutrons, elétrons, feixes de luz.
Um reflexo de tudo aquilo que se espera do universo está ali, explicado pela ciência.
As emoções humanas não têm explicação? Tem sim e uma delas é um fato incontestável: VOCÊ SERÁ DECEPCIONADO PELAS PESSOAS E TAMBÉM AS DECEPCIONARÁ.
Caminhando por aí é possível ver as pessoas desapontadas. Todos os dias alguém se queixa de algo ou de alguém... E a vida segue, dando a certeza de que as projeções daquilo que depositamos são o caminho mais certeiro para o abismo.
O que recomendam, então, as ciências?
Recomendam que saibamos lidar com isso, pois os espelhos da alma são mais côncavos e mais convexos do que se pode imaginar.
Sendo assim, as imagens refletidas tendem a ser mais reais e mais virtuais ainda.
A realidade aumentada pode ser uma dose letal de veneno que nem Darwin, nem Einstein, nem Proust poderiam explicar.
Argentum, Stibium, Hidrargirum, Aurum, Kalium... Ah, se a mente humana fosse tão determinada quanto as propriedades dos metais, quanto as características dos elementos químicos.
A química da alma é nociva e inexplicável.
Determinismo racial? Indeterminismo? Determinismo da alma? Indeterminada, indeterminante, inexplicavelmente itinerante.
Loucuras de uma noite de verão, quente, abafada, depois da tempestade sempre vem a hora de recolher os cacos. De lavar o chão onde minutos atrás o corpo repousava inerte depois da queda. Haja teoria da relatividade em ação. E reação...
Projeções são, na verdade, as imperfeições que não compreendemos e que gostaríamos de transformar em algo que realmente expressasse o que esperamos das pessoas. Ilusão de ótica. A realidade é outra. Somos quem podemos ser e temos aquilo que podemos. Nem mais, nem menos. As projeções refletem aquilo que menos gostamos.
Os espelhos mostram, muitas vezes, o que não queremos ver, pois a física da alma é implacável.