sábado, 20 de fevereiro de 2010

SÁBADO, 20 DE FEVEREIRO DE 1988. // SÁBADO, 20 DE FEVEREIRO DE 2010.

Era uma manhã quente e nublada em São Paulo. Na televisão, as campeãs do carnaval daquele ano Vai-Vai homenageando a Bahia e Vila Isabel com Quizomba, festa da raça, homenageando os negros, tinham seus desfiles reprisados pela Rede Globo. Coincidentemente, o mesmo sábado em 2010 também é a data da comemoração das campeãs do carnaval, dessa vez Rosas de Ouro e Unidos da Tijuca.
Naquele ano, alguns dias antes do fatídico 20/02, enquanto lavava meus cães sob um sol escaldante, vi a mãe da Cris passando pela rua e nos cumprimentamos, com o carinho habitual. Estranhamente, 22 anos depois lá estava eu, lavando os cães novamente quando nos vimos sob uma situação semelhante. Já sabendo que o dia 20/02 se aproximava, senti algo estranho e comentei com meu amigo Thompson.
Em 20/02/88 lamentava a morte de minha melhor amiga, a Cristiane. Hoje completam-se 22 anos e jamais pude esquecê-la. Hoje é também um dia de lamentar a morte do Diego, na última quarta-feira de cinzas. O mês de fevereiro definitivamente não é dos melhores. Em 19 de fevereiro de 1985, perdi minha avó, também no período de carnaval... O ano passado teve dias terríveis que se estenderam por março também. Março, que em 1992, no dia 20, marcou a morte de um amigo de escola, o Quirino.
Muitos fatos ruins, não? Voltemos então ao dia 20/02/1988...
O bom e ruim dos blogs é a chance de nos permitir voltar a momentos de nossa vida que preferíamos jamais ter vivido. Mas hoje, um sábado, assim como aconteceu em 1988, logo depois do carnaval não poderia passar despercebido.
Sentados na calçada, a Janaina, o Tiago, o Well e eu brincávamos com o "vira-monstro, vira-herói", quando um carro da funerária desceu a rua de casa. Nunca gostei desses carros e ainda hoje, quando vejo um, tenho vários calafrios. Segundos depois minha tia Diva desceu a rua de sua casa ao lado da nossa e disparou: "Será que é o corpo da Cris que vieram trazer?"
Como se um terremoto de dimensões inimagináveis tivesse feito meu chão tremer, perguntei: "O que? A Cris morrreu?" E minha tia percebeu, naquele momento, que havia falado demais.
Entrei em casa como um furação, gritando e chorando acusei minha mãe e minha irmã de me esconderem a verdade e inconsolável não sabia o que fazer, o que pensar.
A Cris era aquela amiga de todos os momentos, íamos à escola juntos, faltávamos juntos, fazíamos quase tudo juntos.
Um dia, numa festa na casa da Rita, dançávamos uma música do Balão Mágico (regravação de coração de papelão), quando ela sentiu muita tontura. Foi prá casa e dias depois ouvi uma vizinha conversar com minha mãe. Estava pronto prá ir para a escola e a vizinha disse: "Então, o médico disse que ela tem um tumor no cérebro, e vai morrer." Interrompi apavorado e levei uma bronca por ouvir conversa de adultos, mas o diagnóstico era fatal.
A Cris teve uma primeira internação, passou por uma cirurgia e ficou alguns dias em casa. Não tinha coragem de vê-la, até que um de nossos amigos me disse que ela perguntava de mim o tempo todo e cobrava minha presença. Tomei coragem, comprei umas maçãs e levei até a casa dela. Ao entrar, ela estava careca, com uma faixa na cabeça e me disse que estava com uma crise de enxaqueca. Eu sabia a verdade e contava piadas, que faziam com que ela risse muito, mas por dentro estava dilacerado. Naquele dia, não queria mais sair do lado dela, foi nossa despedida, nosso último dia juntos. Alguns meses antes, numa festa na casa dela, ela havia me mostrado uma música (Lean on me), que até hoje me lembra nossa amizade.
Dias e meses se passavam, e nós, um grupo de jovens amigos fazíamos campana na rua, em busca de notícias. Certo dia, uma falsa informação de que ela havia morrido nos chegou e fiquei durante várias horas, na frente da casa dela, tomando coragem de abordar sua mãe e perguntar se era verdade. Depois de muito ensaiar perguntei e ouvi a resposta de que ela estava bem, dentro de suas possibilidades. Um alívio e a esperança de que tudo daria certo me tomaram.
Infelizmente o dia 20/02/1988 chegou. O velório foi em sua casa e tive que me esforçar muito para ir até lá. Na chegada, seu irmão, o Dênis que tinha 2, 3 anos nos recebeu com a frase: "Minha irmã está na caminha nova dela", foi a senha prá que eu desabasse. Daí prá frente foi só desolação. Num vestido branco estava nossa amiga. Sua guerra contra o câncer tinha acabado, aos 13 anos ela nos deixou.
Fiquei tão abalado que fui mandado para o Jardim Brasil, à força, para uma festa na casa de minha tia Carmen. Enquanto todos se divertiam, um pedaço de mim era velado. Ainda hoje não entendo o porquê de me enviarem para longe, quando o que eu mais queria era me despedir de minha amiga. Voltei prá casa no domingo à tarde e ouvi relatos do enterro, da quantidade imensa de pessoas, dos colegas e professores do Álvares que estavam lá. As meninas andavam de bicicleta, os meninos jogavam bola e eu tentava entender a morte, tão cedo, de alguém tão jovem.
Durante alguns anos, nos dias 15/01 (aniversário dela) e 20/02, íamos ao Cemitério de Vila Alpina visitar seu túmulo. Por vezes vi a família da Cris lá e hoje, 22 anos depois ainda tenho vivas em minha memória as lembranças daquele período tão difícil. Curiosamente, próximo ao túmulo de meu pai, está enterrado um garoto, Fernando Edgard Castro Dalto, impossível não reparar. Um menino de 15 anos que morreu num dia de Natal e que tem, sempre, uma faixa colocada pelos amigos na época de seu aniversário de morte. Esses amigos devem entender bem o que sinto.
Um dia, numa aula na escola pública que frequentávamos eram distribuídos aqueles livros que cada ano ficam com uma criança quando o Carrilho achou uma foto. Quando começaria a rabiscá-la fazendo bigodes e chifrinhos, foi interrompido pela Elaine Sena aos prantos: "É da Cristiane!!!", foi a senha prá comoção na aula. Era uma foto de nossa amiga, no Playcenter, que havia sido esquecida no livro. Lembro-me de algumas de suas amigas, especialmente da Monique, que fim terá levado?
Sou fechado e isso não é segredo algum, passei vários anos de minha adolescência tomando banhos longos. Os garotos nessa idade descobrem a própria sexualidade e se divertem em banhos longos, mas eu chorava copiosamente por 30, 40 minutos, uma hora... Saía do banho como se nada tivesse acontecido e seguia meu caminho. Durante anos não quis fazer novos amigos, por medo de que também morressem, tornei-me gótico. Sombrio, sinistro, depressivo e culto, escrevia textos lindos sobre temas nem tão bonitos assim.
Muitos anos se passaram até que pudesse deixar prá trás essa dor. Hoje venho até aqui e compartilho com alguns de vocês essa perda irreparável em minha vida.
Cristiane das Dores Marchini, 1975/1988... Tantas saudades de ti, amiga querida. Os 22 anos passados não foram capazes de apagar a sua voz e a sua risada de minha mente. Que pena que você não está aqui. Havia tantos anos que não chorava por você. Havia tanto tempo que não chorava redigindo um texto.
Saudades eternas, amiga. Saudades eternas.

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