quarta-feira, 4 de novembro de 2009

As mulheres dos Jardins.
Como identificar a linha tênue que separa o útil do fútil?

Enquanto milhões de pessoas morrem de fome no mundo, as mulheres dos Jardins falam de scarpins e vestidos novos.
Enquanto alguns não têm acesso ao mínimo saneamento básico, as mulheres dos Jardins falam em festas e dizem que trabalham muito, por isso merecem o luxo que têm.
Os miseráveis que suam de sol a sol para carregar a cidade nas costas não merecem, pelo visto... Não ao menos pelo ponto de vista das mulheres dos Jardins.
As mulheres dos Jardins querem seus cabelos impecáveis, mas se os perdem na quimioterapia podem usar lindos chapéus importados. Infelizmente, outras mulheres perdem os cabelos e a vida, porque quimioterapia de última geração é só para as mulheres dos Jardins que trabalham muito.
Um pão para uma família, que conta com Cristo para o milagre da multiplicação. Pães, frios, iguarias finas e bebidas caras para as mulheres dos Jardins.
As mulheres dos Jardins não têm tempo para visitar a periferia, afinal as compras demandam tempo demais e fazer caridade é algo que fica em segundo, terceiro, quarto plano.
“São preguiçosos, não se esforçam”, dizem as mulheres dos Jardins sobre os homens e mulheres humildes da periferia. Enquanto isso, distante do luxo e da riqueza os “periféricos” perambulam de hospital em hospital em busca de atendimento. Uma infecção simples, que poderia ser tratada rapidamente alastrou-se e pode ter comprometido uma vida. E as mulheres dos Jardins brigam com o plano de saúde para que seja coberta uma cirurgia plástica...
Praças, ruas, monumentos. As mulheres dos Jardins querem a cidade reluzente. Cortem a verba da saúde, das ações sociais, dos transportes para a massa, afinal, a cidade está horrível e precisa de uma roupagem mais adequada.
As mulheres dos Jardins contam as horas para as férias na Polinésia, enquanto várias outras contam as inúmeras pessoas aguardando por um prato de sopa.
As mulheres dos Jardins votam certo, naquele que saciará seus anseios, naquele que ajudará a manter a cidade livre dos mendigos incômodos e das praças descuidadas. O resto da população que não é dos Jardins vota certo, naquele que resolverá os problemas da saúde, dos transportes, da fome. Pena que a maioria mora nos jardins, afinal o que vemos é a política da “jardinagem”. Lindas flores em belas praças para uma cidade que mora nos Jardins.
Será que nós também somos as mulheres dos Jardins?

4 comentários:

Felipe Celline disse...

Sen cinebtparios, Kleber. Me deixou sem ação esse texto.

Kléber disse...

Pois é, Felipe... À cada dia me surpreendo e também fico sem ação... Ainda bem que os textos, ao menos, saem...

Unknown disse...

A reflexão lançada ao final do texto chega a doer em nossa alma. Nossa rotina impedi-nos de reservar um olhar atento ao próximo, para percebemos o quanto nossos anseios são medíocres em relação a carência da humanidade. Atualmente, as pessoas se preocupam muito mais em "ter" a "ser".

Kléber disse...

Verdade Carol. Isso me desmotiva e ao mesmo tempo motiva. Ainda não encontrei a forma ideal para combater essa situação, mas estou procurando por ela.
Beijos!!!